A cultura pode salvar a economia?

As actividades culturais e criativas devem ser incorporadas nas económicas, defende o antigo ministro da Economia Augusto Mateus, autor de um estudo sobre quanto vale o sector cultural.
Os números que indicam que o sector cultural e criativo representa 2,8 por cento da riqueza gerada em Portugal (3,691 milhões de euros) e dá emprego a 127 mil pessoas podem servir de base a uma profunda mudança da política cultural, defende o antigo ministro da Economia Augusto Mateus. "Se não se usar o casamento entre a cultura e a economia não conseguiremos que a sociedade portuguesa cresça", declarou Augusto Mateus ao PÚBLICO. "É preciso incorporar no valor dos produtos económicos o valor da cultura".

Foi a empresa do antigo ministro que elaborou o estudo O Sector Cultural e Criativo em Portugal, apresentado no início de Março pela ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas. Na altura, Canavilhas sublinhou que os números reflectem uma visão muito alargada do que é o sector cultural e criativo (uma ressalva: só são incluídos dados até 2006, o que não permite saber como é que o sector reagiu à recente crise económica).

O estudo distingue as actividades culturais nucleares (património, artes visuais e criação literária, artes performativas); as indústrias culturais (música, edição, software educativo e de lazer, cinema e vídeo e rádio e televisão); e as actividades criativas (serviços de software, arquitectura, publicidade, design e componentes criativas noutras actividades).

Uma leitura rápida dos números mostra que são as indústrias culturais que (com 78,8%) justificam o peso que a cultura tem na economia. As actividades culturais nucleares pesam apenas 7,5% e as criativas 13,7%. Dentro das indústrias, é a edição o sector com mais peso (34,2% do total), mas incluiu por exemplo "telecomunicações" que correspondem à disponibilização de conteúdos através de telemóveis. No entanto, as que mais têm crescido são as artes performativas, a arquitectura e o design.

Mudar a lógica do Estado
"Este não é um estudo economicista", sublinha o ex-ministro. Apesar de nas recomendações surgirem frases como "os projectos a incentivar devem ser encarados numa perspectiva de rendibilização económica alargada e de sustentabilidade", Mateus frisa que "há um conjunto de actividades humanas cujo valor não pode ser medido pelo valor do mercado", e que têm que continuar a ser apoiadas pelo Estado. O que é preciso é ser-se rigoroso na avaliação, defende. "Por que é que há-de ser mais difícil avaliar o benefício de um museu do que de uma universidade? Se é um bem público que produz um benefício social superior ao económico é preciso avaliar".

Augusto Mateus faz propostas concretas. Uma é apoiar os programadores. "Apoiamos projectos pontuais e equipamentos sem programação, em vez de apoiar estruturas que promovem e difundem bens e serviços culturais". Outra é fazer "uma avaliação rigorosa do valor da língua portuguesa e do papel que esta possa ter na aceleração das exportações das nossas actividades culturais". Um dos grandes problemas do sector cultural, refere, é continuar a haver "uma orientação para o mercado interno, sem a ideia de que devemos dirigir as actividades para um mercado mais vasto".

Mas a grande mudança que propõe tem implicações muito mais profundas. "Significa passarmos de governos sectoriais para governos temáticos". Um exemplo: para que as indústrias do têxtil e do calçado sobrevivam "têm que ser penetradas pela cultura". Para isso, o Ministério da Cultura "deve sofrer uma alteração para assumir protagonismo na dinamização das indústrias culturais" e uma maior capacidade para dialogar com outros ministérios em igualdade de circunstâncias.

Por enquanto, diz, nada disso é feito. "Não há nenhuma medida que incentive a contribuição da cultura. Assim não se diferencia os nossos bens e serviços e não se aumenta a capacidade de exportação". O caminho, insiste, é fazer com que a cultura penetre os outros sectores. "Em vez de se continuar a incentivar financeiramente actividades em declínio, fábricas que não têm possibilidade de sustentar empregos, é preciso introduzir cultura, criatividade". Estaremos "a financiar indirectamente as actividades culturais, através da renovação das actividades económicas".

PÚBLICO
Por: Alexandra Prado Coelho

"O Ministério da Cultura tem que ter a coragem de diminuir o número de apoios e apostar na qualidade"


A ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, considera que na forma como se apoia o sector “tem havido alguma preocupação em satisfazer clientelas”. E defende mudanças. Mas, apesar de concordar com uma visão mais ampla da cultura, que inclui as indústrias culturais, afirma que “o Estado tem que estar sempre onde os bens meritórios não funcionem com a lógica do mercado”.

A visão do Ministério da Cultura (MC) coincide com a deste estudo, de que o sector cultural ultrapassa as actividades mais tradicionais e deve abranger também as indústrias criativas?

Absolutamente. O sector nuclear [actividades culturais tradicionais] tem os seus sucedâneos que se adequam aos públicos, aos gostos, aos mercados, e o novo conceito de cultura abrange todo esse largo espectro. Se analisarmos apenas o tal sector nuclear que é a base, os números não são assim tão extraordinários. É preciso manter a cabeça fria e fazer uma leitura inteligente. Se os resultados são tão favoráveis para este sector, a verdade é que são de espectro muito largo, e aquilo que interessa agora é não desviar o enfoque de que o sector nuclear continua a ser a principal preocupação e deve ser o principal objectivo do MC.

O estudo diz “os projectos a incentivar devem ser encarados numa perspectiva de rendibilização económica alargada e de sustentabilidade”. Muita gente lerá isto como estarmos a privilegiar os números, em detrimento dos conteúdos.

Este estudo aponta para as várias formas de expressão artística que se tornaram também afirmações de economia de mercado. Devemos olhar para essa forma de economia e tirar dela leituras de que precisamos para transformar o outro sector mais nuclear em actividade que contribua também para a riqueza do país. Mas há o receio de que isso faça desaparecer as coisas mais experimentais, que não têm necessariamente esse lado económico. Esse estudo não significa que, pelo facto de vasto sector resultar em PIB, o ministério deve investir mais. É uma prova de que o mercado funciona. O estudo é fundamental para analisarmos onde é que ele não funciona para podermos canalizar para aí os nossos apoios. Queria contrariar um bocadinho a ideia de que, já que é um sector que produz imensa riqueza, o MC deve ter um grande orçamento. Não é esse o caminho. Já há um mercado que reage positivamente às actividades do sector cultural e isso permite-nos fazer uma radiografia de quais são os sectores que precisam que o ministério actue para reequilibrar eventuais desequilíbrios.

Existe sempre um número de actividades culturais que não tem essa vocação de mercado.

E essas são o cerne, o núcleo duro da actividade do MC. E continuarão sempre a ser. O Estado tem que estar sempre onde os bens meritórios não funcionem com a lógica do mercado. Temos é que defi nir o que são os bens meritórios, os que realmente transformam o ser humano no contacto com eles. Aí o Estado tem que salvaguardar que eles continuem a existir.

O estudo fala em “fomentar a competitividade do tecido empresarial do sector cultural e criativo”. Isto é tarefa do MC?

Sim, podemos dar um contributo importante. Há uma linha de actuação que ainda não consegui desenvolver, mas que está nos meus planos, que é tentar encontrar formas de criar linhas de crédito para as pequenas e médias empresas no sector cultural, tal como existem para outros sectores.

Quanto à exportação de bens culturais – aparentemente exportamos mais artesanato (cuja procura está em queda) e menos audiovisual (cuja procura aumenta). Há alguma coisa que o Governo possa fazer aí?

Pode e deve incentivar por via da criação de linhas de crédito especiais para apoio de pequenas empresas que possam potenciar a manufactura e o artesanato português. Tem que haver uma transversalidade interministerial do MC com a Economia, o Turismo. Uma relação, que se pretende cada vez mais próxima, da Cultura com os outros ministérios, pode potenciar o nosso campo de acção.

Esse trabalho já está a ser feito?

Já vários passos foram dados, não estamos a começar do zero. Mas há muito a fazer.

O estudo diz que produzimos ainda mNegritouita cultura a pensar só no consumo interno. Devíamos mudar isso?

O Estado tem obrigação de criar mecanismos para potenciar a internacionalização. Assumo isso como uma responsabilidade nossa também. Mas para termos produtos com capacidade para competir nos mercados internacionais têm que ser produtos bons. Nem tudo quanto produzimos cá tem essa capacidade de competitividade. O que não quer dizer que não haja uma série de exemplos de qualidade notável e capacidade de internacionalização.

Mas há mais que o Estado possa fazer nesse campo?

Sim, absolutamente, há mais que o Estado possa fazer.

O que é que o MC deve fazer a nível da formação de públicos?

Não concordo que não haja públicos. Cada vez há mais. É muito comum encontrarmos salas esgotadas, nos grandes centros e fora deles. A programação de qualidade tem sempre público. A programação de vanguarda, que apela a audiências mais específicas, nunca tem grandes públicos em qualquer parte do mundo, não somos diferentes nisso. Acho é que o MC tem que ter a coragem de aplicar melhor as suas verbas. Tem havido alguma preocupação em satisfazer clientelas. Qualquer entidade nova tem acesso aos concursos, aos apoios às artes, até o cinema. É um espaço permanentemente aberto. E os fundos são o que são, têm estado a crescer mas não estão equiparados ao potencial de novos agentes que entram neste mercado. O MC tem que ter a coragem de subir a fasquia, diminuir o número de apoios e apostar na qualidade. Até hoje não houve ainda vontade de dar esse passo. Eu tenho muita vontade de reflectir sobre isso e eventualmente dar passos nesse sentido. Acho que é preferível apoiar mais e melhor menos intervenientes do que espalhar pouco por muitos, o que leva não a um crescimento sustentado na qualidade mas apenas a ter mais intervenientes no sistema.

E com que critérios?

Os critérios estão a cargo dos júris e não quero discuti-los. O que me parece é que há essa preocupação de ir alimentando um sector e que se vai permitindo que cada vez mais entidades entrem no sistema da subsídio-dependência. Se calhar, está na altura de orientarmos melhor, e com mais investimento, menos projectos.


PÚBLICO
Por: Alexandra Prado Coelho

ArteLisboa teve que ceder as suas datas na FIL à cimeira da NATO

A ArteLisboa, a única grande feira de arte contemporânea portuguesa, tem no seu décimo aniversário uma dificuldade acrescida de encaixe no calendário internacional de feiras – as suas datas no complexo da FIL no Parque das Nações tiveram que ser cedidas à cimeira da NATO.

A ArteLisboa, a única grande feira de arte contemporânea portuguesa, tem no seu décimo aniversário uma dificuldade acrescida de encaixe no calendário internacional de feiras – as suas datas no complexo da FIL no Parque das Nações tiveram que ser cedidas à cimeira da NATO.


PÚBLICO
Por: Vanessa Rato

ÓRGÃOS SOCIAIS

ASSEMBLEIA GERAL
Presidente
Ana Rodrigues Ventura
Vice-Presidente
Jorge Cerveira Pinto
Secretário
Eduardo Santos

DIRECÇÃO
Presidente
Luís Serpa
Vogal
Manuela Carlos
Vogal
Gastão Marques

CONSELHO FISCAL
Presidente
Ana Neto
Vice-Presidente
Rui Rasquilho
Vogal
Maria Teresa Carneiro
Vogal (Suplente)
Inês Salpico

2º CONGRESSO NACIONAL DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

Cultura, Inovação, Património e Ciência
Desafios para a propriedade intelectual
Reitoria UNL - 29 e 30 de Setembro de 2010

14:30 – 16:30 > Arquitectura, Património e Propriedade Intelectual

Presidente: Arq. Luís Serpa, Agência para as Indústrias Criativas


Oradores:

• Os desafios da conservação do património arquitectónico em Portugal

Prof. Doutor Arq. Gonçalo Byrne, Gonçalo Byrne Arquitectos, Lda

• Arquitectura e recuperação de centros históricos

Prof. Doutor Arq. José Aguiar Portela da Costa Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa

• O Direito do Património Cultural

Prof. Doutor João Martins Claro, Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa

• Do Direito à Cultura ao Direito da Cultura

Dr. Manuel Lopes Rocha, PLMJ


PROGRAMA

A CULTURA VISTA À LUPA_JN


A CULTURA VISTA À LUPA
Estudo, apresentado ontem, segunda-feira, aferiu o peso do sector na geração de riqueza e de emprego

O sector cultural e criativo português gerou, em 2006, mais riqueza e emprego do que as indústrias têxteis e de vestuário e de alimentação e bebida. Conclusões de um estudo ontem, segunda-feira, apresentado, que visou aferir o peso do sector na economia do país.

O estudo, encomendado pelo Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI) do Ministério da Cultura à consultora Augusto Mateus & Associados, foi apresentado ontem, no Palácio da Ajuda, em Lisboa, numa cerimónia que contou com a presença da ministra da Cultural, Gabriela Canavilhas, do antigo detentor da pasta, Pinto Ribeiro, e Mega Ferreira, entre outras personalidades.

O trabalho teve como principal objectivo determinar até que ponto o sector cultural e criativo é gerador de riqueza e de empregos. Os resultados, sublinhou a directora do GPEARI, Joana Gomes, "foram supreendentes".

Em 2006, ano a que reporta o documento, este sector foi responsável pela criação de mais de 308 mil postos de trabalho e de 3690 milhões de euros em Valor Acrescentado Bruto, mais do que as indústrias têxteis e de vestuário e de alimentação e bebidas. Números que, mesmo assim, não conseguem atrair a atenção dos decisores políticos. "É mais fácil captar o interesse dos políticos para o sector têxtil e do vestuário do que para o cultural e criativo", sublinhou Augusto Mateus, coordenador do estudo.

Neste sector predominam as micro e muito pequenas empresas, sendo que 87% dos estabelecimentos têm menos de 10 trabalhadores. A maioria são mulheres (55%) e jovens (38% têm entre 25 e 36 anos).

Quanto à implantação territorial, mais de metade dos estabelecimentos e do emprego gerado concentram-se na Grande Lisboa, Grande Porto e Península de Setúbal. No pólo oposto, nove das 30 regiões (que representam menos de 1% dos estabelecimentos) alcançam, no seu conjunto, apenas 6,2% do total de empregos gerados pelo sector.

Anti-subsidiodependência

Portugal contribui apenas 1% do total das exportações da UE-27 e 1,5% das importações europeias. O ritmo de crescimento das exportações portuguesas ficou aquém da média europeia (14% face a 51%) . A categoria de design representa a maior fatia dos fluxos de comércio internacional.

Para a ministra da Cultura, os resultados ontem apresentados indicam que "o sector cultural tem potencialidade e que, devidamente estimulado, pode gerar retorno económico". Com as conclusões na mão, Gabriela Canavilhas referiu que é chegada a hora de "reorientar e repensar estratégias", que permitam contrariar o estado de subsidiodependência em que se encontra o sector.

A governante salientou ainda que "a inclusão da componente criativa é um sinal de mudança de paradigma" daquilo a que habitualmente designamos por sector cultural, ou seja, apenas "a criação e transmissão de saberes". Ideia partilhada por Augusto Mateus, para quem "as políticas mais interessantes e responsáveis não afastam a cultura da criatividade e do conhecimento".

JORNAL DE NOTÍCIAS
FÁTIMA MARIANO
2010-03-02